Alexandre Couto tem síndrome de Morquio tipo B e uma vontade inabalável. Descobre a história de um jovem que transforma dor em motivação.

Tem 24 anos e uma doença rara. Encara as dificuldades e as cirurgias por que já passou sem deixar que a doença prejudique a sua felicidade.
Aos 24 anos, Alexandre Couto tem uma certeza: «Se me dessem a oportunidade de nascer sem o meu problema ou com ele, não mudava nada. Nem as dores, nem as cirurgias, nada!». O seu caminho tem tido vários obstáculos, que se dedica a superar porque «é a força de vontade que comanda a vida».
Nasceu prematuro e no primeiro ano de vida esteve muitas vezes doente. Com quatro anos, um diagnóstico de diabetes tipo 1 tornou-o insulinodependente para sempre. Pouco depois, um peso estranho nas pernas revelou-se, afinal, uma escoliose, que o médico atribuiu a uma queda. «A única coisa que os meus pais na altura se lembraram foi que houve uma pequeníssima queda, mas já tinha sido há um ano ou dois, não seria por isso», conta. Ainda assim, a queda ficou registada como a causa do problema.
«foi das melhores e das piores experiências da minha vida»
O que se seguiu foi uma cirurgia à coluna tão fora do comum que, anos depois, muitos médicos «não percebem como foi feita», como explica Alexandre. A operação deixou-lhe uma cicatriz que vai do abdómen até à coluna, cortando o músculo oblíquo, que é crucial para o equilíbrio.
A recuperação foi longa e dolorosa, marcada pelo uso de coletes rígidos. «Tenho vídeos a perguntar à minha mãe o porquê de usar o colete, porque tinha uma amiga que o usava e que mudou de escola porque não foi muito bem aceite», recorda.
Não foi o seu caso. Nesse momento, e sempre, o apoio dos pais foi fundamental. «Tive a sorte de os ter como pais, sempre me explicaram tudo da maneira mais adequada e consegui evoluir da melhor forma», afirma. Não só a família: «As pessoas aparecem na altura certa». Os seus colegas de turma, no primeiro ano do ensino básico, fizeram uma escala de turnos para carregar a sua mochila ao fim do dia. «Não foi por indicação da professora, não foi por indicação de nenhum pai, lembraram-se espontaneamente», conta. Na faculdade, quando mais precisou, um colega fez o mesmo. «São coisas que me marcarão para toda a vida».

Aos 11 anos, após consultas de norte a sul do país, recebeu finalmente um diagnóstico: síndrome de Morquio tipo B (MPS IV), uma doença muito rara e ainda sem tratamento disponível, causada pela mutação no gene GLB1, que leva à ausência de uma enzima essencial na formação dos ossos, tornando-os bastante mais frágeis. «Felizmente, nunca parti nada, e sempre fiz tudo», afirma. Um estudo genético que realizou mostrou alterações no ADN, que foram evoluindo no tempo, mas o ARN (que transmite a informação genética do ADN para as células) não confirmou essas alterações.
O seu caso é tão raro que foi «a um consórcio internacional de médicos, em que foi reconhecido que uma situação destas pode acontecer», refere. «É um caso esquisito, que vai continuar a ser estudado, mas ficou diagnosticado que a síndrome de Morquio é a doença, porque as manifestações clínicas apontam para isso. Em termos genéticos, há alguma coisa que está a escapar e que não foi percetível
até agora». Provavelmente por isso, estima-se que a doença só o tenha afetado 5 a 10% do que poderia ter acontecido. Chegou a ser o único caso conhecido em Portugal e na Península Ibérica com estas características; «agora não sei, o último caso que li foi de um rapaz francês», refere.
Aos 15 anos, após uma nova cirurgia à coluna, Alexandre soube que não cresceria mais. Esteve em coma induzido devido a dores muito intensas, mas três dias depois de acordar já pedia para sair dos cuidados intensivos, onde deveria ter estado duas semanas. Dois dias mais tarde, sentou-se na cama e, às duas da manhã, com a ajuda da mãe, deu os primeiros passos «Foi das melhores e das piores experiências da minha vida», afirma. «Foi ótimo voltar a andar, mas parámos no meio do corredor porque eu não conseguia mais», recorda; «ficámos uma hora ali parados, com ela a segurar-me, até uma
mãe num quarto nos ouvir e ir buscar uma cadeira de rodas».

A natação entrou na sua vida aos quatro anos, por recomendação médica. Aos oito, foi convidado para as aulas de competição, mas por causa da instabilidade cervical foi impedido de participar em provas oficiais.
«Nos treinos, eu fazia o salto para a água, mas nas competições não me deixavam», lembra. Frustrado, experimentou outros desportos, como ténis e futebol – à baliza, mas sem se magoar, porque tinha «muito bons reflexos» –, só que teve de os abandonar devido ao desgaste ósseo. A natação voltaria depois da pandemia, já quando estava a estudar engenharia aeronáutica, no Instituto Superior Técnico, em Lisboa – à época, o curso com a média mais alta no país, e ainda hoje das mais altas, na ordem dos 19 valores em 20.
Hoje, treina no Sporting, numa equipa que inclui atletas com surdez e trissomia 21. «Aprendi muito com eles. O Vicente Pereira [atleta com trissomia 21] que tem 11 recordes mundiais, ensinou-me a querer sempre mais», diz. O treinador, que é também osteopata, estudou a sua biomecânica e adaptou os treinos às suas necessidades. Alexandre foi campeão nacional por seis vezes e detém um recorde nacional. «Quero ir aos Jogos Paraolímpicos. O resto é trabalhar e cumprir, como sempre», afirma convicto.
O seu objetivo com a natação era claro: recuperar a massa muscular perdida e melhorar a mobilidade. Está a dar resultados, não só desportivos, mas também na qualidade de vida. No entanto, a dor é uma
presença constante. Andar torna-se difícil após certos limites, mas recusa-se a deixar que isso o impeça de viver. «Já é hábito. Há um espírito de sacrifício inerente», admite. Nos primeiros anos da faculdade, andava 16, 20 km a pé, ia à praxe académica, saía com amigos, mesmo que depois precisasse de dois dias de repouso. «O segredo é não ficar preso às dificuldades. Não vou prejudicar a minha felicidade por causa de algo de que não tenho culpa», diz.
Recentemente, pediu um atestado de incapacidade que lhe atribuiu um grau de 96%. «Com a força de vontade que tenho, sinto que tenho 96% de incapacidade? Claramente que não», conclui. E porque não trocava a sua vida por outra sem dificuldades? «O rapaz que hoje existe nunca o seria se nascesse sem qualquer tipo de condição. Por muito que a sociedade às vezes não concorde com isso, isto vale muito mais em termos pessoais».